Disparo que atingiu gerente em shopping partiu da arma do segurança da joalheria, apontam laudos

Disparo que atingiu gerente em shopping partiu da arma do segurança da joalheria, apontam laudos

Quando Caroline Alves da Rocha, de 36 anos, vivia seus últimos momentos por volta das 20h de 20 de agosto deste ano, ela estava na condição de ‘escudo humano’ em meio a umtiroteio protagonizado por assaltantes e o segurança da joalheria de onde era gerente. Duas semanas após a trágica morte com repercussão nacional, laudos cadavérico, de comparação balística e de identificação de perfis genéticos apontaram que a vítima foiatingida por único disparo de uma arma de fogo. Naquela noite, o disparo efetuado veio de uma arma que estava nas mãos do vigilante da loja, colega de trabalho da vítima há 15 dias.

A reportagem do Diário do Nordeste teve acesso aos documentos emitidos pela Perícia Forense do Ceará (Pefoce). O laudo cadavérico especifica a “presença de entrada de projétil de arma de fogo em região dorsal lateral esquerda, que perfurou ambos os lobos do pulmão esquerdo e coração” de Caroline.

Até o momento, cinco pessoas foram presas sob suspeita de envolvimento no latrocínio. Lúcio Mauro Rodrigues Ferreira, André Luiz dos Santos Nogueira, Antônio Duarte Araújo Eneas, Douglas da Silva Dias e Antônio Jardeson Lima de Moura. Todos eles se tornaram réus no Judiciário cearense nesse fim de semana. Já o segurança terceirizado, de identidade preservada, prestou depoimento na delegacia como testemunha do crime.

De acordo com o laudo cadavérico, o projétil não ficou alojado no corpo da vítima. O exame de comparação balística corrobora de onde veio o disparo que atingiu Caroline. A outra perícia feita sob responsabilização do Núcleo de Balística Forense aconteceu a partir da análise de sete projéteis encaminhados oriundos do local do crime.A trajetória do tiro foi de trás para frente, de baixo para cima e da esquerda para direita. Como consequência houve hemorragia torácica, perfurações pulmonar e cardíaca” 

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Legenda: O laudo cadavérico indica que a vítima foi atingida por um disparo. O projétil entrou e saiu do corpo da gerenteFoto: Laudo/Pefoce


METODOLOGIA

A arma de numeração TK75642, recolhida do segurança instantes após o assalto foi examinada e se observou que os mecanismos dela funcionaram normalmente, consta no relatório. O perito concluiu que os projetis P1, P3, P4 e P5 percorreram o cano de uma mesma arma de fogo, mas não o revólver do vigilante.

Até o início desta semana, a arma utilizada pelos assaltantes no crime ainda não foi apreendida pela Polícia. 

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Foto: Laudo/Pefoce

Já os projetis P6 e P7 estavam, segundo o documento, “parcialmente danificados” e a análise ficou prejudicada. Somente “o projetil P2, percorreu o cano da arma em referência revólver N° TK75642”, de acordo com perícia assinada no último dia 3 de setembro.

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Legenda: Apenas uma arma de fogo passou por perícia, a outra, utilizada pelos assaltantes, ainda não foi apreendida. Os laudos e o inquérito indicam que o projétil que atingiu a gerente percorreu o cano do revólver recolhido com o segurança da loja

Os peritos também coletaram material genético do corpo da vítima e amostras de DNA recolhidos do projétil P2 e compararam. Deu positivo. O projétil teve contato com o corpo da da vítima. “Na amostra extraída do “projétil nº 02” foi obtido uma perfil genético oriundo de indivíduo do sexo feminino, cujos alelos, nos loci analisados apresentam correspondência com os identificados na amostra referência de Caroline Alves da Rocha…De acordo com os cálculos estatísticos, a frequência de ocorrência do perfil genético obtido, ou seja, a possibilidade de que outra pessoa, não relacionada, pudesse, ao acaso, ter o mesmo perfil é de 1(um)em 2.245.629.886.290.290.000.000.000 (aproximadamente dois septilhões) indivíduos” 

EM QUE MOMENTO O DISPARO ACONTECEU

A vítima vestia uma blusa e um casaco quando foi alvejada. As câmeras de segurança da joalheria mostram a troca de tiros entre o segurança e um dos assaltantes. O homem, armado com um revólver, puxa a gerente para perto dele, utilizando o corpo da vítima como escudo na tentativa de se proteger dos tiros efetuados pelo segurança enquanto sai da loja. Neste momento, mais tiros são efetuados e a mulher cai de joelhos.

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Foto: Laudo/Pefoce

O suspeito foge, sem levar nenhum bem material do estabelecimento. A investigação indicou que dentro do shopping e nos arredores estavam demais membros da quadrilha dando apoio ao assalto. A denúncia do Ministério Público do Ceará, assinada pelo promotor de Justiça Paulo Henrique de Holanda Sousa Matos, traz que Lúcio Mauro, conhecido como ‘Véi’ ou ‘Pai’, líder da quadrilha e idealizador do assalto, tinha a informação de que em outro roubo à loja tinha sido subtraído um valor de cerca de R$ 5 milhões.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

A reportagem ouviu um perito criminal, que durante 36 anos trabalhou na Pefoce, passando pela direção da Coordenadoria de Perícia Criminal. Conforme o especialista Roberto Luciano Dantas, os laudos emitidos até agora estão bem redigidos e apontam com clareza as considerações. Roberto diz que também será importante o laudo pericial do local do crime, mas acredita que o resultado não apontará coisas diferentes.

O perito criminal afirma que: “o laudo dá, inclusive, toda a trajetória desse projétil até sair. e isso foi uma sorte muito grande  por ele ter saído e ter sido encontrado e  não ter se perdido. Ele foi encontrado e foi possível desenvolver todo o trabalho que é a parte relacionada ao laudo para identificação do perfil genético deixados em locais de crimes variados com suspeitos, que é o laudo do DNA. Esse laudo foi também muito bem redigido e específico, ou seja, o único projetil que foi encontrado do perfil genético do sexo feminino foi no projetil número dois. E que, por coincidência, ele corresponde ao perfil genético da vítima e se pode dizer que esse projétil esteve em contato com o corpo dela. Ou seja, é insofismável essa questão. Esses laudos e essas provas materiais são feitas com base em princípios científicos de muita responsabilidade que apontam de forma inconteste essa relação, projétil/corpo”

Roberto Luciano pontua que os documentos não discutem de quem foi a responsabilidade pelo disparo, e sim a prova material observada. “A questão da responsabilidade será apurada em juízo porque a prova técnica é apenas uma das provas do processo. Então vão vir outras provas, as provas testemunhais e nesse contexto eu destaco a necessidade da juntada do laudo pericial do local do crime propriamente dito, que esse quarto elemento fecha esse quebra-cabeça, para dar a dinâmica dos movimentos, das coisas como aconteceram, inclusive, possivelmente sugerindo a reprodução simulada dos fatos”.“Ele (assaltante) está com uma arma apontando numa direção que provavelmente é a que estava o segurança. Eu pergunto: essa cadeira que ela estava não foi atingida? Por isso a necessidade do laudo do local do crime, para periciar todos esses elementos e saber, inclusive os disparos que o bandido efetuou, que regiões atingiu dentro da loja” ROBERTO LUCIANO DANTAS Perito criminal 

O QUE MUDA AGORA NO PROCESSO

Quando a Polícia Civil do Ceará concluiu o inquérito, apenas os dois suspeitos (Douglas e Antônio Jardeson) que entraram na joalheria foram denunciados por latrocínio, e os demais por associação criminosa.

No entanto, a delegada Mariana Paes Diógenes de Paula já havia se posicionado que: “após a juntada dos referidos laudos é que será possível sedimentar de qual arma partiu o tiro que ceifou a vida da vítima, entretanto, importante destacar que, independente disso, o crime de latrocínio encontra-se consumado, pois quando o grupo arquitetou e executou o modus operandi para a prática de roubo com arma de fogo, a partir desse momento, o risco do resultado morte foi assumido pelos executores que entraram na loja”.

A reportagem questionou a PCCE sobre o que os laudos indicaram. Por nota, a assessoria se posicionou informando que “a Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE) já concluiu o inquérito policial sobre o caso. Outras informações devem ser solicitadas ao Poder Judiciário”.

Já o Ministério Público disse na denúncia ofertada à Justiça Estadual na última quinta-feira (2) que o tiro que matou Caroline da Rocha partiu da arma de um assaltante. 

“Um dos tiros efetuados por Douglas da Silva Dias atravessou a região dorsal lateral esquerda de Caroline Alves da Rocha Damasceno, perfurou ambos os lobos do pulmão e o coração, saiu pela região peitoral esquerda e causou a morte dela. Cessado o tiroteio, Antônio Jardeson Lima de Moura e Douglas da Silva Dias correram do local”, segundo o promotor Paulo Henrique de Holanda Sousa Matos.

A reportagem também entrou em contato com o órgão ministerial, mas foi informada pelo MP que o órgão só se manifestará nos autos do processo. 

Um especialista em Direito Penal ouvido pela reportagem afirmou que o segurança pode até responder por homicídio, “mas, nesse caso, em legítima defesa de terceiro”.  Conforme o advogado, que pediu para não ter seu nome divulgado, pode ocorrer o que se chama de “aberratio ictus” ou “erro de execução”, previsto no artigo 73 do Código Penal, no exercício da legítima defesa. 

O agente, no caso o segurança da loja, ao tentar reagir a uma injusta agressão praticada pelo assaltante, atinge uma terceira pessoa inocente por acidente ou erro no uso dos meios de execução. A justificativa seria aceita, se comprovada, pois quem age em legítima defesa pratica um ato lícito.

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