A dor de uma agressão pode morar atrás dos tapas. Das 8.960 mulheres que denunciaram violência doméstica em 2021 no Ceará, é provável que todas tenham sofrido uma específica e silenciosa: a psicológica, que se tornou crime previsto no Código Penal Brasileiro, na última quarta (28).
Além de criar um novo tipo penal, prevendo punição específica para quem pratica a violência, a Lei nº 14.188/2021 agravou a pena de lesão corporal cometida contra a mulher e instituiu o programa “Sinal Vermelho” de combate à violência doméstica.
A violência psicológica já era descrita pela Lei Maria da Penha, de 2006, no conjunto da violência doméstica, mas agora ela em si passa a ser um crime, como explica Anna Kelly Nantua, defensora pública estadual no Núcleo de Enfrentamento à Violência contra à Mulher.Antes, muitas vezes essa violência existia, mas ficava impune se não estivesse associada a um crime mais grave. Agora, mesmo que não esteja, o agressor pode responder criminalmente. ANNA KELLY NANTUADefensora pública
Desde 28 de julho deste ano, a pena para homens ou mulheres que incorrerem no crime é de reclusão de 6 meses a 2 anos, “e multa, se a conduta não constitui crime mais grave”, segundo aponta o texto da lei.
Para Anna Kelly, o novo tipo criminal representa um avanço no amparo às vítimas e no combate à violência contra a mulher. “A violência psicológica é, muitas vezes, a porta de entrada para outras formas. Em cerca de 97% dos casos que atendemos a mulher era vítima disso. É a que predomina”, estima.
CARACTERÍSTICAS DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
Ao contrário da física, a agressão psicológica é, muitas vezes, invisível: em diversos casos, nem a própria vítima identifica que está sendo violentada. O agressor pratica violência psicológica contra a mulher quando:
- Causa dano emocional;
- Diminui a autoestima da mulher;
- Controla as ações, comportamentos, crenças e decisões dela, mediante ameaça;
- Constrange, humilha, manipula, isola, chantageia, ridiculariza;
- Limita o direito de ir e vir;
- Adota qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica da mulher.
Grande parte da lista foi vivida por Veruska Rabelo, 39, que teve a história contada pelo Diário do Nordeste no mês passado. Durante 19 anos de casamento com o ex-marido, ela encarou os golpes ao psicológico em silêncio, por medo, vergonha e dependência.Era como se o que eu vivi fosse o certo: eu não ter voz, atitude. Eu não podia atender uma ligação. Mas fui vendo, aos poucos, que tinha direitos.
“ESTAMOS MUDANDO UMA LEGISLAÇÃO HOSTIL”
Daciane Barreto, coordenadora da Casa da Mulher Brasileira (CMB), destaca que “a violência psicológica foi naturalizada por muitos séculos, aumentando a insegurança das mulheres em denunciar”. O avanço na legislação, então, é um passo importante.A legislação sempre foi hostil e perversa com as mulheres, então estamos no processo de mudança de como encarar esses delitos, acabar com a impunidade. DACIANE BARRETOCoordenadora da Casa da Mulher Brasileira
A gestora ressalta que avanços como a Lei Maria da Penha e a tipificação da violência psicológica “são frutos dos movimentos feministas e de mulheres”, e que é necessário um conjunto de medidas de amparo para que a lei funcione na prática.
“É uma vitória sancionar essa lei, mas é preciso implementá-la, criando políticas públicas, ensinando à população sobre a existência dela, contribuindo para o diálogo nas escolas, fortalecendo as Varas da Mulher no judiciário e os núcleos do Ministério Público”, lista.
COMO DENUNCIAR VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
A Casa da Mulher Brasileira reúne delegacia e órgãos de Justiça especializados no amparo às vítimas, além de ofertar suporte psicossocial e de autonomia econômica. Todo o atendimento é feito por mulheres, e a privacidade e proteção da vítimas são garantidas.Casa da Mulher Brasileira – Rua Tabuleiro do Norte, S/N. Bairro Couto Fernandes, Fortaleza, Ceará. Funciona 24h, de domingo a domingo.
Também é possível denunciar violência em qualquer delegacia, bem como por meio do 180 ou do 190.
O QUE SERVE DE PROVA DA AGRESSÃO?
A vítima de violência psicológica também pode solicitar medida protetiva contra o agressor, como pontua a defensora pública Anna Kelly Nantua. Para solicitar, não é necessária nenhuma prova.
Se a situação configurar crime, como agora, vídeos, áudios, prints de conversas e relatos de testemunhas são úteis como provas contra o agressor.
“SINAL VERMELHO”
A nova lei sobre violência psicológica estabelece o programa Sinal Vermelho, que adota o X vermelho na palma das mãos como um sinal de alerta de uma vítima. A ideia é que, ao visualizar esse sinal na mão de uma mulher, qualquer pessoa possa acionar a polícia ou algum órgão de proteção para ajudar a vítima.