
“Produto em processo de compra.” Essa é a resposta que Artemísia da Silva, 43, tem recebido da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) há quase 40 dias ao questionar sobre a entrega da alimentação especial do filho, Miguel, 11, que tem paralisia cerebral.
Por ordem judicial, o garoto deve receber a dieta enteral (apropriada para consumo via sonda) todos os meses, mas a última entrega ocorreu em maio. Cada litro da fórmula custa, em média, R$ 31 – Miguel precisa de 47, um gasto de quaseR$ 1.500.
Além da alimentação, famílias ouvidas pelo Diário do Nordeste denunciam ainda atrasos na garantia de medicamentos, fraldas e materiais médicos pela secretaria.

“Antes, nós recebíamos a dieta pra 3 meses. Depois da pandemia, ficou mês a mês. Estou tendo que comprar, mas já, já, preciso pedir ajuda, porque não dá. Fora outros materiais, como o equipo, que desde março não recebo”, declara Artemísia.
A dona de casa pontua que o órgão público “não dá nada de explicação” sobre o descumprimento do prazo para entregar a fórmula, que é essencial para a alimentação diária de Miguel.
Para Samuel, 19, também com paralisia cerebral, a ausência é outra: a alimentação que recebe do Estado está em dias, mas as fraldas já não chegam à casa em Maranguape, na Região Metropolitana de Fortaleza, há cerca de 5 meses, como relata a prima dele, Cíntia Fernandes, 31.
“Tá muito dificultoso, todo dia eu ligo pra lá e não tem. Já pedi até pelo amor de Deus, porque ela tá precisando muito, de qualquer tamanho, mas não tem. Desde fevereiro que não recebe. E a mãe dele tem epilepsia, sozinha com ele. É muito difícil”, desabafa.
A assistência ao primo se soma a outro dever: o filho de Cíntia tem deficiência renal e também depende de medicamento de alto custo recebido do Estado.
Ela afirma que foram 2 anos até conseguir decisão judicial que garantisse a entrega do insumo pelo Sistema Único de Saúde (SUS) – nunca atrasou, mas a apreensão é constante.
“A GENTE NUNCA RECEBE TUDO”
A dona de casa Michelle Arcelino, 37, é categórica ao dizer que “essas demandas judiciais não são cumpridas por completo”. Segundo ela, que lidera um grupo de mães e familiares de pessoas com deficiência, “ou recebe um mês sim e outro não ou recebe coisa faltando”.
Michelle é mãe de Nicole, 15, que ficou em coma e estado vegetativo após uma parada cardiorrespiratória causada pela Covid-19, em outubro de 2021. De lá para cá, é abastecida por medicamento, dieta e materiais médicos pela Secretaria da Saúde.
Eu mesma recebi um medicamento bem caro, o Ziclague, numa data crítica, com prazo de validade de 1 mês. Já veio praticamente vencido, e agora estou sem o medicamento pra Nicole. Até o leite já vem de lote antigo, grosso, ruim de passar na sonda.
MICHELLE ARCELINO
Dona de casa
Segundo ela, o medicamento – spray voltado ao tratamento do sistema muscular – custa uma média de R$ 800, em dose suficiente para um mês. “Já o leite dela daria em torno de R$ 2 mil a R$ 2.500 por mês”, estima Michelle.
“Os atrasos acontecem com frequência. Não conheço nenhuma mãe que receba o total de material da dieta e médico. Quando recebe o leite, não recebe a fralda; quando recebe a fralda, não vem luva e gaze”, exemplifica.
CASOS JUDICIAIS
Todas as decisões judiciais em favor das famílias passam pelo Núcleo de Defesa da Saúde da Defensoria Pública do Estado (Nudesa), o qual elas procuram para dar entrada nos processos de pedido de medicamentos de alto custo, dietas e demais insumos.
A defensora pública Yamara Lavor, supervisora do Nudesa, explica que o Estado tem um prazo de até 20 dias para cumprir novos pedidos – mas caso uma família já receba os produtos e estes atrasem, a Justiça deve ser informada.
O assistido tem que ir ao Fórum e falar com o defensor público responsável pelo caso dele. O defensor faz uma petição informando ao juízo sobre o descumprimento da liminar.
YAMARA LAVOR
Defensora pública supervisora do Nudesa
Nesses casos, pode ser aplicada uma multa ao Estado, além de bloqueio de verba e transferência do valor ao paciente, “o que geralmente acontece quando o atraso é de medicamento de alto custo”, frisa Yamara.
Ela pontua que pacientes oncológicos são a maioria entre os pedidos. “O médico já solicita essa alimentação porque essas pessoas precisam desse suporte especial, muitas vezes enteral ou oral, para não agravar o quadro clínico. É essencial pra elas”, reforça.
O QUE DIZ A SECRETARIA
A reportagem questionou a Sesa sobre os motivos do atraso, o que tem sido feito para assistir essas famílias, quantas pessoas recebem esses produtos mensalmente e se já existe um prazo para entrega. A Sesa informou por meio de nota “que o processo de aquisição da dieta Isosource Soya Fiber já foi concluído e está em fase de pagamento, com previsão de entrega para até 20 de agosto. Sobre o Isosource Mix, o processo está na etapa final de compra”.
