Por que as doenças intestinais causadas por vermes ainda persistem no Brasil

Por que as doenças intestinais causadas por vermes ainda persistem no Brasil

Você certamente já ouviu falar no Jeca Tatu. O personagem criado pelo escritor Monteiro Lobato na década de 1910 era muito magro, sentia um grande cansaço e dores pelo corpo. Na pele do Jeca, Lobato chamou a atenção para uma doença tropical conhecida popularmente como amarelão, responsável pela morte de mais de 60 mil pessoas por ano em todo o mundo.

O amarelão, chamado tecnicamente de ancilostomose, é uma das parasitoses intestinais, doenças que constituem um problema de saúde pública. Os agravos causados por vermes e protozoários podem ser transmitidos de diferentes formas, principalmente pela ingestão de água e alimentos contaminados.

Doenças da pobreza

As parasitoses intestinais fazem parte da lista da Organização Mundial da Saúde (OMS) de doenças negligenciadas. De acordo com a definição da instituição, elas persistem em condições de pobreza, áreas rurais remotas, favelas urbanas ou zonas de conflito e contribuem para a manutenção da desigualdade. A escassez ou ausência de políticas públicas e a falta de estatísticas robustas tornam o enfrentamento dessas doenças ainda mais difícil.

“O custo benefício levando em conta as mortes que você evita com medidas adequadas de saneamento é uma coisa barata. Quando se adotam essas medidas de maneira correta, elas ficam para sempre. De vez em quando, é preciso fazer manutenção no sistema de tratamento de água e esgoto, é normal para qualquer sistema. É uma questão de vontade política e dinheiro que são necessários”, enfatiza o pesquisador José Luiz Negrão Mucci, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

As parasitoses intestinais, assim como as demais doenças negligenciadas, contam com investimentos reduzidos em pesquisas, produção de medicamentos e estratégias de controle. Segundo a pesquisadora Alda Maria da Cruz, do Instituto Oswaldo Cruz(IOC/Fiocruz), no Rio de Janeiro, a banalização das doenças também contribui para a falta de investimento e cuidado adequado.

“Quando eu falo de banalização é no sentido de que as pessoas entendem que ter verme é comum. Existe esse pensamento de que é comum criança ter verme e de que não causa nada. No entanto, são infecções silenciosas. Não é normal você ter um verme de 15 cm no seu intestino, isso tem uma consequência. Essa consequência é pouco conhecida, por isso ainda não se dá a importância devida a esses patógenos”, afirma Alda.

Para o pesquisador Marcelo Urbano Ferreira, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), a ausência de políticas públicas e de estratégias de informação em saúderelacionadas às parasitoses intestinais é apenas parte do problema.

“Tentar fazer uma campanha de educação em saúde pública voltada a vermes intestinais em um ambiente onde não tem saneamento básico ou água encanada. Essa campanha está destinada ao fracasso. Mesmo que as pessoas saibam perfeitamente o que seria ideal para evitar que elas se infectassem, muitas das coisas estão fora do alcance delas”, argumenta Marcelo. “A população saber como se transmitem parasitoses intestinais e, portanto, como se pode prevenir é muito importante. Mas isso não basta, as pessoas precisam ter escolhas e saber fazer a escolha adequada.”

Para Ronaldo César Borges Gryschek, professor da Faculdade de Medicina da USP, as lacunas no conhecimento sobre as parasitoses intestinais também tem origem na graduação dos cursos das áreas da saúde, como medicina e enfermagem.

“Do ponto de vista de ensino de ciências da saúde, as parasitoses mereceriam um lugar importante. Isso as coloca, como a gente as conhece, como doenças negligenciadas, ligadas à pobreza, à miséria, à desnutrição e à deseducação”, afirma. “Esse tema foi meio que abandonado pelas escolas. O resultado que a gente vê são pacientes que já foram ao médico várias vezes, tomaram diferentes remédios e continuam com o parasita porque não foram adequadamente tratados porque o profissional não conhece o assunto”, ressalta.

Inquérito nacional de parasitoses

Em 2018, o Instituto René Rachou (Fiocruz Minas) divulgou um relatório com os resultados de um inquérito de prevalência nacional da esquistossomose e de outras doenças causadas por vermes (também chamados de helmintos). O estudo teve como objetivo conhecer a situação da esquistossomose, da tricuríase, da ancilostomose e da ascaridíase em estudantes de 7 a 17 anos.

A análise contou com a participação de 197.564 pessoas, de 521 municípios, em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal.

A distribuição da ascaridíase e tricuríase apresentaram índices semelhantes. Foram encontrados 11.531 indivíduos com Ascaris lumbricoides, 6% da população estu

dada. Para a tricuríase a taxa de positividade foi de 5,41%, um total de 10.654 testes positivos

Para a esquistossomose, as regiões Nordestee Sudeste apresentaram os maiores índices de positividade, de 1,27% e 2,35%, respectivamente.

“Dentro dos parasitos intestinais tem um grupo chamado de geo-helmintos, cujos ovos são eliminados no solo, amadurecem na terra e se tornam infectantes. Uma pessoa ingerindo alimentos ou água contaminados com essa poeira do solo pode adquirir a infecção”, explica a pesquisadora Alda Maria da Cruz, do Instituto Oswaldo Cruz(IOC/Fiocruz), no Rio de Janeiro.

Em relação às geo-helmintoses, foram identificados 5.192 indivíduos com ovos de ancilostomídeos nas fezes, uma proporção de 2,73% testes positivos — as maiores taxas foram as do Maranhão (15,79%), Pará (7,21%) e Sergipe (6,62%).

Um outro estudo, publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical em agosto, apontou que a prevalência de parasitoses intestinais (protozoários ou helmintos) no Brasil foi de 46%. O índice variou por região, sendo maior no Norte (58%) e no Sul (51%), seguidos pelo Nordeste (50%), Centro-Oeste (41%) e Sudeste (37%).

A biomédica Ariel Oliveira Celestino, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), autora do estudo, explica que os índices não indicam necessariamente a quantidade de pessoas com algum tipo de parasitose intestinal no país, mas revelam a porcentagem da população que está vulnerável a desenvolver alguma das doenças. “Podemos dizer que 46% é a chance de um indivíduo, em um grupo de risco em condições favoráveis, de adquirir uma parasitose intestinal”, explica Ariel.

Para chegar ao resultado, o grupo de pesquisa realizou uma revisão sistemática da literatura científica. O especialistas analisaram cerca de 40 artigos sobre parasitoses intestinais publicados em plataformas acadêmicas como o Pudmed, Lilacs e Scielo. A investigação permitiu sintetizar o conhecimento sobre o tema e estimar a prevalência das doenças no país.

As diferenças entre os resultados encontrados pelos grupos de Minas Gerais e Sergipe podem ser explicadas pela metodologia aplicada aos estudos.