Dom Zigmund Ziegler Roberto Cohen e Robert Cohen são a mesma pessoa: Roberto Cohen, um cidadão nascido no Rio de Janeiro, que vive em Lauro de Freitas, na Bahia, e se apresenta, ao mesmo tempo, como monge, padre, agente de Israel, médico biomolecular e militar, entre outras faces. Roberto chamou atenção nas últimas semanas após ser citado como ponte de contato entre o policial Luiz Paulo Dominguetti e o reverendo Amilton de Paula, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga irregularidades do governo federal no combate à pandemia da Covid-19
Dias depois da citação na CPI, uma agência de investigação jornalística divulgou que Roberto teria uma empresa registrada na Flórida, nos Estados Unidos, e que o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e o vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB), apareciam como “sócios”. Essa empresa foi o ponto de partida para uma investigação do Núcleo de Jornalismo Investigativo da Record TV, que identificou 17 sites em nome de Roberto Cohen. Eles fazem analogia a entidades governamentais do Brasil e até de outros países, a maioria usando, indevidamente, selos oficiais desses órgãos, que apontam uma possível ação de um estelionatário.
Os sites mantidos por Cohen têm algumas características em comum. Primeiro, usam símbolos oficiais de órgãos e governos nacionais e internacionais para dar relevância e credibilidade nas apresentações e quanto à existência. Além disso, tentam simular ter algum vínculo governamental usando a URL “gov.org” no fim dos endereços, o que indica uma tentativa de confundir com os domínios “.gov”, utilizados pelo governo no mundo inteiro, mesclando com o domínio “.org”, destinado às entidades não governamentais.
Na sequência de páginas da web, uma tenta reafirmar a entidade apresentada por outra. Outra estratégia para tentar afastar desconfianças, por exemplo, é a criação de um link que direciona a um canal de denúncias de fraudes do Departamento Federal de Investigação americano, o FBI. Os sites ainda dão indícios de que são utilizados para captar doações fora do Brasil, já que muitos são em inglês.
Outros são ainda mais ousados: incluem nome, endereço e telefone das entidades. Em um deles, há o endereço de uma fachada onde seria um seminário na cidade de Serro, em Minas Gerais, mas o local é um casarão abandonado. A maioria das páginas online está registrada na plataforma de hospedagem de sites de um serviço internacional popular na internet, com uma estrutura semelhante e bastante amadora, mas sempre com a lógica de reafirmar autenticidade e credibilidade de outras “entidades” da rede.
Vida social e empresas de fachada
Além desses sites duvidosos, Roberto Cohen tem uma conduta social bastante questionável, apresentando-se com diversas faces. O homem diz ser, ao mesmo tempo, em diferentes plataformas, monge, padre, capelão do exército de Israel, um agente do país do Oriente Médio, médico biomolecular representante do Conselho Nacional de Saúde (CNS), ligado ao Ministério da Saúde, monge da Ordem de São Benedito e militar, incluindo o uso de vestimentas que tentam embasar as histórias.
Alguns desses sites afirmam ser de entidades reais, com registro na Receita Federal, documentação, endereços e telefones. Mas, na prática, elas não existem ou operam em endereços de fachada ou inexistentes. É o caso da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia do Brasil. A organização tem um site em que Cohen se apresenta como médico. Na página, há um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) e telefones de contato. A empresa está registrada na pequena cidade de Guapó, em Goiás, a cerca de 30 km de Goiânia. No endereço, está localizada apenas uma antiga fazenda. Ninguém na região jamais ouviu falar da entidade descrita ou de Roberto Cohen.
O mesmo ocorre em outras empresas registradas por ele, como a Ordem Secular dos Beneditinos dos Missionários da Caridade e a Sociedade Psicanalítica do Estado de Goiás, que revela outro “personagem” de Roberto Cohen, um psicanalista. A duvidosa Admir, a Missão Diplomática Americana de Relações Internacionais, também é cenário para outra versão de Roberto Cohen, como diplomata. Citada na CPI da Pandemia do Senado Federal, a Admir tem registros de empresa nos Estados Unidos e no Brasil, e conta com dois “sócios” de peso, ao menos nos EUA, o presidente Bolsonaro e o vice-presidente Hamilton Mourão.
A Missão Diplomática tem um site com vários símbolos oficiais brasileiros e americanos e opera em um endereço onde funciona a sede do Conselho Nacional dos Peritos Judiciais no Rio de Janeiro (Conpej). Eles jamais ouviram falar da tal entidade. Somente nos Estados Unidos, Roberto Cohen tem 23 empresas ativas no próprio nome. Todas com registros empresariais que remetem aos sites identificados pela Record TV e muitas com sócios improváveis, como o ex-presidente americano Donald Trump. Há até uma empresa que tenta remeter ao governo de Israel, mas que não tem nenhuma conexão com o país. Em uma dessas empresas, figura ainda outra pessoa citada na CPI, o policial militar Flavio Borotti.
Segundo o Departamento de Estado da Flórida, as empresas foram abertas com documentos que estavam de acordo com a legislação, entretanto, afirmam que, se constatada qualquer tipo de informação falsa nos registros, há caracterização de crime. Segundo as leis locais, a infração pode resultar em até cinco anos de prisão e multas.