Jair Bolsonaro viajou na noite de sexta-feira (30) para Orlando, nos Estados Unidos, e não vai participar da posse do seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva. É a primeira vez que um presidente do Brasil termina o mandato fora do país.
Mas não é a primeira vez que um presidente no cargo deixa de transmitir o posto para o sucessor. Veja outras duas situações em que isso ocorreu — também envolvendo presidentes militares e também motivadas por rixas políticas. João Figueiredo para José Sarney (1985) Em 15 de março de 1985, João Figueiredo, último presidente da ditadura militar, deveria passar a faixa para Tancredo Neves, eleito de forma indireta, marcando a retomada da democracia no Brasil. Mas, na véspera da posse, Tancredo passou mal. No dia em que deveria receber a faixa, à 0h37, foi operado. Naquela mesma madrugada, o mundo político começou a se movimentar para saber quem assumiria: José Sarney, o vice-presidente eleito, ou o presidente da Câmara, Ulysses Guimarães — ele próprio favorável à posse de Sarney. Segundo reportagem do jornal O Globo da época, um passo importante das negociações foi convencer o presidente Figueiredo, que estava rompido com Sarney. Como parte da costura política, Ulysses Guimarães teria se comprometido com Figueiredo de que não haveria solenidade de transmissão do cargo — evitando, assim, o contato entre os rivais.
Sempre foi um fraco, um carreirista. De puxa-saco passou a traidor. Por isso não passei a faixa presidencial para aquele pulha. Não cabia a ele assumir a Presidência”
Sarney assumiu, então, sem a presença do antecessor militar. Havia a expectativa, porém, que o cargo fosse, a seguir, passado a Tancredo. Mas, depois de sete cirurgias, Tancredo morreu em 21 de abril. Sarney assumiu de forma definitiva. Uma réplica da faixa presidencial foi enviada de Brasília para o IML de São Paulo, onde o corpo de Tancredo estava sendo embalsamado. Ali, a faixa foi colocada sobre o terno preto de Tancredo pelo seu chefe de segurança durante a campanha eleitoral, major Forreaux.
É chefe, o Figueiredo não pôde te passar essa faixa, mas eu farei isso”Major Forreaux, chefe de segurança de Tancredo, segundo reportagem da Folha de 1985 Tancredo foi sepultado com a réplica da faixa presidencial, embora não tenha chegado a assumir. Já Sarney manteve a faixa original. Cinco anos depois, em 1990, transmitiu a faixa para Fernando Collor, o primeiro presidente eleito por voto popular após o fim da ditadura militar.
Floriano Peixoto para Prudente de Morais (1894).
Em 15 de novembro de 1894, o militar Floriano Peixoto não compareceu à cerimônia de transmissão do cargo para seu sucessor, Prudente de Morais. A tarefa coube a um de seus ministros. No dia 15, protocolarmente vestido, Prudente aguardava no salão do hotel que o viessem buscar [para a posse]. Ninguém apareceu, e foi num calhambeque alugado que chegou ao palácio Conde dos Arcos para prestar o juramento. Para o Itamaraty, onde se daria a transmissão do cargo, foi na carruagem do representante da Inglaterra, sem qualquer escolta oficial. As portas estavam abertas, os salões vazios. Floriano não compareceu”
“Foi pirraça”, disse o jornalista Natale Netto, autor de “Floriano, o Marechal Implacável”, para a Agência Senado, sobre a recusa de Floriano de comparecer à posse do sucessor. O militar estaria contrariado com a transferência do poder para um civil, pela primeira vez. A proclamação da República fora feita por militares em 1889. Antes de Floriano, o primeiro presidente do país, Deodoro da Fonseca, também era militar.
Trata-se de um trama feito na Europa, sobretudo em Paris, por brasileiros ali residentes para o assassinato do sr. Marechal Floriano Peixoto no dia 15 de novembro, no caso, ao que parece, de não passar o poder ao seu sucessor”. A publicação cita até que cartas dos brasileiros que tramavam o suposto assassinato teriam sido interceptadas e mostradas para Floriano. Mas não há indícios de que a história seja verdadeira — a narrativa nem sequer entrou para o registro oficial histórico. O marechal morreu de causas naturais naquele mesmo ano.

